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Por São Boaventura.


Cristo é o caminho e a porta. Cristo é a escada e o veículo. O propiciatório colocado sobre a arca de Deus e o mistério desde sempre escondido. Quem olha para esse propiciatório com o rosto totalmente voltado para Ele, contemplando-o suspenso na cruz, com fé, esperança e caridade, com devoção, admiração e alegria, com veneração, louvor e júbilo, realiza com Ele a Páscoa, isto é, a passagem.


E assim, por meio do lenho da cruz, tal pessoa atravessa o Mar Vermelho, saindo do Egito e entrando no deserto, onde saboreia o pão escondido. Descansa também no túmulo com Cristo, parecendo exteriormente morto, mas experimentando, tanto quanto é possível à sua condição de peregrino, aquilo que foi dito pelo próprio Cristo ao condenado que o tinha reconhecido: "Ainda hoje estarás comigo no paraíso".

Nesta passagem, se for perfeita, é preciso deixar todas as operações intelectuais e que o ápice de todo o afeto seja transferido e transformado em Deus. Estamos diante de uma realidade mística ê profundíssima. Ninguém a conhece, a não ser quem a recebe; ninguém a recebe, se não a deseja; nem a deseja, se não for inflamado, até a medula, pelo fogo do Espírito Santo que Cristo enviou ao mundo. Por isso, o Apóstolo diz que essa sabedoria mística é revelada pelo Espírito Santo.


Portanto, se queres saber como isso acontece, interroga a graça, e não a ciência; o desejo, e não a inteligência; o gemido da oração, e não o estudo dos livros; o esposo, e não o professor; Deus e não o homem; a escuridão, e não a claridade; não interrogues a luz, mas o fogo que tudo inflama e transfere para Deus, com unções suavíssimas e afetos ardentíssimos. Esse fogo é Deus. Cristo acendeu a fornalha desse fogo no calor da sua ardentíssima Paixão. Verdadeiramente, só pode suportá-la quem diz: "minha alma prefere ser sufocada e os meus ossos a morte". Quem ama essa morte pode ver a Deus, porque sem dúvida alguma é verdade o que é dito na Escritura: "O homem não pode me ver e continuar vivo". Morramos, pois, e entremos na escuridão. Imponhamos silêncio às preocupações, paixões e fantasias. Com Cristo crucificado, passemos desse mundo par o Pai, a fim de podermos dizer com o apóstolo Felipe quando o Pai se manifestar a nós: "Isso nos basta". Ou também ouvirmos como São Paulo: "Basta-te a minha graça".