Por Auguste Saudreau.
A vida espiritual é o conjunto do trabalho da graça e dos esforços da liberdade humana, a fim de reproduzir na alma a semelhança perfeita com Deus. Toda a vida espiritual, dizem os santos Doutores, tem como finalidade a união e a transformação da alma em Deus.
No dia da criação, disse o Senhor: "façamos o homem à nossa imagem e semelhança". O pecado original veio destruir o divino plano. Deus, porém, recomeçou sua obra e a prossegue em cada um de nós.
O trabalho de assimilação começa no batismo, quando Deus derrama na alma a sua graça santificante com as virtudes e os dons inerentes. A alma recebe então como que uma emanação da Divindade, que lhe penetra a substância e as faculdades. A graça põe uma beleza divina na substância da alma e confere às faculdades da alma o poder de operar divinamente, tornando-a participante da natureza divina.
Portanto, Deus tende a reproduzir-se. Como o calor aquece e a luz ilumina, Deus diviniza. Ou seja, torna semelhante a ele mesmo. Cada um dos atributos de Deus opera sobre a alma em graça e lhe imprime a sua semelhança. Sua sabedoria torna as criaturas sábias; sua bondade as torna boas; sua misericórdia as torna compassivas e indulgentes; sua longanimidade as torna suaves e pacientes; sua verdade as torna humildes; sua pureza as purifica; seu amor as abrasa.
Cada ato de virtude que praticamos é a reprodução de um desses atributos, a participação em uma dessas perfeições. E cada pecado que cometemos é, ao contrário, a repulsa de um atributo divino, constrangido a se manter inativo. É o obstáculo a uma obra de Deus.
Essa participação nos atributos de Deus pode ocorrer em todos os instantes. Cada um dos nossos atos de virtude é como o transbordar da Divindade em nossas almas. E como nossas almas têm uma capacidade imensa para receber, e como é infinito o oceano das perfeições de Deus, as almas generosas (que não se abrem pela metade, mas inteiramente) tornam-se maravilhosamente ricas. A Divindade as cumula de bens. Deus, tendo em si toda a beleza, as embeleza e transfigura; sendo a onipotência, as fortifica; sendo a própria santidade, as aperfeiçoa e santifica.