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Por Santo Afonso Maria de Ligório.

Justamente por nos amar ardentemente, Deus deseja ardentemente que nós também O amemos. Ele nos estimulou para que O amemos, fazendo repetidos convites na Sagrada Escritura.

Um rei desse mundo certamente não se rebaixaria a tal ponto que pedisse a um súdito o seu amor. No entanto, Deus, que é a bondade infinita, o Senhor do universo, infinitamente poderoso, infinitamente sábio, numa palavra, um Deus que é digno de um amor infinito, um Deus que nos enriqueceu com dádivas espirituais e corporais, não se envergonha de pedir a esmola do nosso amor.

Ele nos exorta e ordena que O amemos. E, assim mesmo, não consegue conquistar o nosso amor. Mas, afinal, o que Ele pede de cada um de nós senão apenas que O amemos?

É com esse objetivo que o próprio Filho de Deus desceu à terra, e participou da nossa convivência. Assim o declarou pessoalmente: "Eu vim trazer fogo à terra, e como eu gostaria que já estivesse aceso".

Prestai atenção a esses dizeres: como eu gostaria que já estivesse aceso. É como se Deus, o pensamento é de Santo Tomás, é como se Deus, que possui uma felicidade infinita, não pudesse ser feliz sem se ver amado por nós.

Não há dúvida: Deus nos ama e nos ama ardentemente. E, justamente por nos amar ardentemente, quer que O amemos, também nós de todo o coração. Razão pela qual Ele nos manda a cada um em particular: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração", acrescentando, notai bem, "Estas palavras que eu hoje te ordeno estarão gravadas no teu coração. E tu as ensinarás a teus filhos e as meditarás sentado em tua casa e andando pelo caminho e estando no leito e ao levantar-te. E as amarrarás na tua mão como um sinal e elas estarão como um frontal diante dos teus olhos e as escreverás sobre as portas da tua casa".

Observe-se aqui, como todas essas palavras evidenciam o ardente desejo de Deus de ser amado por cada um de nós. Ele manda que estas palavras estejam gravadas em nosso coração. E para que nunca jamais delas nos esqueçamos, quer Ele que nelas reflitamos e meditemos, estando em casa ou passeando pelas ruas, ao irmos dormir ou ao despertarmos. Quer que, como sinal ou lembrança, as tenhamos amarradas às nossas mãos, a fim de as termos diante dos olhos em qualquer lugar que estejamos.

"Óh, flecha ditosa", exclama São Gregório Nisseno, "que, ao entrares no coração, nele colocas simultaneamente aquele que te atira, o próprio Deus!"

Quando Deus atira uma flecha de amor em uma alma, isto é, quando ilumina de um modo particular essa alma, Ele a faz ver o amor que ele mesmo tem por ela, e o desejo de ser por ela amado. Entra no mesmo instante, juntamente com essa seta de amor, o próprio Deus, porque quem atira a flecha é o próprio Amor. Assim como a seta fica cravada, presa no coração ferido, do mesmo modo o próprio Deus, ferindo a alma com o Seu amor, se mete nela para lhe ficar unido para sempre.

Sim, meu Deus, reconheço, somente Vós tendes em vista a minha felicidade, não por interesse próprio, mas unicamente por bondade, unicamente pela pura caridade que me tendes. E eu, ingrato que sou, não causei a ninguém tanto desgosto, tanta amargura, como a Vós, que me testemunhastes tamanho amor! Meu Jesus, não permitais que eu continue nessa ingratidão. Tu me amaste sinceramente. Eu, da minha parte, quero vos amar sinceramente, todos os dias que me restam ainda. "Meu amor", assim eu suspiro com Santa Catarina de Gênova, "nada mais de pecado. nada mais de pecado! A Vós somente quero amar e nada mais".

A alma que ama verdadeiramente a Deus, diz São Bernardo, nada mais pode querer fora do que Deus quer. Supliquemos ao Senhor que nos dilacere com o Seu amor, já que a alma ferida pelo amor não pensa em nada mais, e até nem é capaz de querer mais nada, senão o que Deus quer. Desprende-se de todos os apegos, de todos os desejos do seu amor-próprio.

E esse desapego, unido a um integral abandono de si próprio a Deus, é por sua vez a flecha com a qual a alma também fere o coração de Deus. Como Ele próprio declara, afirmando à Esposa do cântico dos cânticos: "Feriste o meu coração, ó minha irmã, minha esposa!"

Como é admirável a expressão de São Bernardo neste particular: "Aprendamos a lançar com muita força os nossos corações para Deus!"

Em certo sentido, quando uma alma se abandona completamente a Deus, sem reserva alguma, dispara o seu coração, como se fosse uma flecha, ao coração de Deus. E sem demora, esse divino Coração se dá por vencido. E se torna como prisioneiro, como conquista de tal alma desapegada.

Eis o que as almas que se abandonam inteiramente a Deus executam incessantemente em todas as orações. Se oferecem inteiramente a Deus e renovam continuadamente esses atos de oferecimento completo e incondicional.

Feliz a alma que puder dizer de verdade: Meu Deus se rendeu todo a mim, eu me rendo todo a Ele. Como diz o Cântico dos cânticos: "Meu amado é meu, e eu sou do meu amado. Não mais pertenço a mim mesmo. Sou totalmente a posse do meu Deus.