"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
O artigo 227 da Constituição brasileira é bem claro ao atribuir a responsabilidade pela bem-estar das crianças a todos nós. Mas os números da violência mostram que não temos sido assertivos e eficientes em assumir este compromisso. Depois da morte de Henry Borel, no Rio de Janeiro, vítima da violência dentro de casa, o tema ganhou espaço e as reflexões viraram pauta. No caso de Henry, o padrasto, Jairinho, até aquele momento vereador carioca, e a mãe dele, Monique, são suspeitos pelo crime. Na última década, de acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, as agressões por meios não especificados foram causa de 451 mortes de crianças até 4 anos de idade, como Henry. 254 morreram por agressões com objetos contundentes. 164 foram mortas com objetos cortantes ou penetrantes e 190 foram vítimas de síndromes de maus-tratos. Um ponto em comum? A cronicidade da violência. As mortes de crianças vítimas de agressões, de maus-tratos e de negligência não costumam vir em episódio pontuais, pelo contrário. Vêm depois de um longo período de abusos. Em mais de 80% dos casos os agressores são os pais e as mães, que deveriam ser os guardiões primeiros destes sujeitos tão vulneráveis. Se considerarmos crianças e adolescentes de até 19 anos, a estatística é devastadora: entre 2010 e 2020, foram 103.149 mortes por agressões de tipos variados.
Ouvindo as especialistas deste episódio, o convite que fica é o encararmos a violência como algo estrutural, só assim poderemos enfrentá-la de maneira efetiva. Também fica evidente a necessidade de virar uma chave, para que deixemos de pensar a violência como uma questão de segurança pública e passemos a enfrenta-la com a complexidade que ela merece, como uma questão de saúde pública, de assistência social e de tantas outras competências. Em especial no caso de crianças e adolescentes, que estão se formando física e mentalmente, as agressões de toda natureza têm o efeito de uma doença crônica.
Importante: se você suspeita que uma criança está sendo vítima de maus-tratos, você pode denunciar o caso aos conselhos tutelares, às polícias Civil e Militar, ao Ministério Público, aos Centros de Referência Especializados em Assistência Social (CREA) e também pelo canal Disque 100, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Nos municípios menores, um desafio: a rede de assistência é pequena, às vezes inexistente, mas as delegacias também têm o compromisso de acolher e encaminhar as denúncias.