Listen

Description

Vamos ao dicionário: cuidado. Melhor economizar definições, porque o vocábulo toma meia página. Mas vamos a algumas delas. Em que houve aprimoramento, aplicação na execução, bem-feito; comportamento vigilante, precavido, inquietação, preocupação; zelo, desvelo que se dedica a alguém ou algo; encargo, incumbência, responsabilidade; lida, trabalho, ocupação. Agora, pega tudo isso e mistura bem misturado. O zelo não tira a preocupação; a responsabilidade demanda vigilância; a dedicação não tira o tom de encargo. E é por isso que o cuidado, por mais que seja cheio de amor, que seja com a mais bela intenção de afeto, dá uma cansada... Uma vez ouvi uma especialista apontava como o cuidado nos é ensinado. E explicava que o cuidado tem três esferas principais: cuidar de si, cuidar do outro e cuidar do ambiente em que se está. Na fala, ela chamava atenção para o fato de que aos meninos não é ensinada nenhuma dessas dimensões, enquanto as meninas aprendem a olhar para as três desde muito cedo. Claro que isso tem efeitos. O cuidado é visto, muito frequentemente, como incumbência das mulheres. E não é visto como um trabalho ou, quando é, é um trabalho desvalorizado. A italiana Silvia Federici, filósofa, escritora, é alguém que traz essa pauta com força. Nos anos setenta, a autora impulsionou uma campanha por remuneração pelo trabalho doméstico. Em seus livros e em suas participações por seminários mundo afora, ela chama atenção para esse trabalho invisível e não remunerado que é fundamental para o desenvolvimento do sistema em que a gente vive, o capitalismo. Nas relações, o trabalho de cuidar de si, do outro e do ambiente fica nas costas das mulheres. Uma frase de Silvia Federici se espalhou nas ruas, talvez você já tenha visto ou ouvido, e resume bem: o que eles chamam de amor, ela diz, é trabalho não pago. E trabalho cansa, né, gente? Esgota. Exaure o corpo e a mente. Mesmo que a gente goste do trabalho, se ele é infinito, sem apoio e com acúmulo de funções, não há energia que baste. E aí? Como a gente cuida de quem cuida? Claro que o autocuidado é peça-chave. Aliás, a escritora caribenha-americana Audre Lorde dizia que cuidar de si não é autoindulgência, é autopreservação, um ato de luta política. E não é do autocuidado dos comerciais que ela fala, não, é de uma estratégia ampla e profunda de bem-estar. Fundamental. Mas será que alguém mais pode se dispor a cuidar de quem cuida? Vamos entrar nessa conversa neste episódio do Elas com Elas.

[Relatório “Sem Parar – O trabalho e a vida das Mulheres na Pandemia”, feito pela Gênero e Número e pela Sempreviva Organização Feminista - http://mulheresnapandemia.sof.org.br/]
[Produção, apresentação, edição: Gabriela Mayer; Sonorização: José Antônio de Araújo]